O resgate da capacidade de confiar

14/03/2024

Contudo, quando se trata de psicanálise, entendemos que a ressignificação dos acontecimentos de uma história pessoal só pode se dar pela criação de uma outra história, a saber, a que começa a ser tecida na própria relação analítica.”

- Daniel Schor

         Todos os encontros que vivemos têm o potencial de nos transformar. Nossa biografia é, em algum nível, a história desses encontros e das impressões que eles deixaram em nós. Há, em psicanálise, uma ênfase nos primeiríssimos encontros, no que foi vivido nos primeiros anos de nossa vida, isso porque é nesse período que estamos realizando tarefas fundamentais do amadurecimento.

       A partir do que foi conquistado nessas primeiras travessias, nos movemos para os próximos vínculos, que também poderão potencialmente nos transformar. Sempre acho tocante a frase do Eduardo Galeano, que diz que “as pessoas não são ameaças, são possibilidades”. Mas compreendo que é difícil ensinar para o corpo e para o coração que eles não precisam se sentir ameaçados diante do outro, quando algum relacionamento fundamental foi decepcionante e traumático. 

           É necessário que um luto seja trabalhado com paciência, e que a capacidade para confiar seja (re)conquistada, pois não é algo que possa ser simplesmente treinado. Ela é resultado de um conjunto de experiências complexas, envolve o encontro e o estabelecimento de um vínculo profundo, no qual a confiabilidade seja a base. Ressignificar o vivido, nesse caso, envolve poder construir uma outra história, na qual somos ouvidos e validados.

        Muitas vezes, o encontro em que a confiança poderá ser reparada é justamente a relação psicoterapêutica. A psicoterapia oferece um vínculo radicalmente diferente, onde podemos, aos poucos, confiar nossa história a alguém que nos escuta sem julgamentos ou prescrições. Onde podemos nos ouvir, perceber o que vivemos com mais clareza, dar espaço ao sentir, sem precisar atravessar sozinhos a confusão de uma decepção afetiva. (Re)descobrimos a confiança no outro, em nós mesmos e na força dos nossos próprios processos. Descobrimos, por fim, que a vida fica um pouco mais leve quando caminhamos juntos, afinal, poder confiar é também um modo de descansar.


Texto escrito por:

Fernanda Nascimento

Psicóloga Clínica
CRP: 01/20090

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