O tempo que te dou
Num feriado chuvoso, esbarrei nessa série espanhola chamada “O tempo que te dou” (El tiempo que te doy), na Netflix. A série aborda a dor do fim de uma relação amorosa de forma delicada e humana. É uma série de episódios curtos, onde acompanhamos a trajetória de Lina (Nadia de Santiago), que tenta reconstruir sua vida após o término de um relacionamento de nove anos.
A sacada dessa série é a brincadeira com o tempo: cada episódio nos convida a estar alguns minutos no presente e alguns minutos no passado do casal. No início da série, como no início do processo de luto, Lina está consumida pelas recordações, pelo passado presentificado pela dor. Aos poucos a balança presente-passado vai se equilibrando e vemos Lina dando mais espaço ao que é novo, a medida em que suas lembranças vão se complexificando e a história do relacionamento pode ser melhor contada.
Os tempos que se misturam dizem respeito também aos tempos da vida de Lina. No luto, Lina, como todos nós, regride e nessa regressão retoma pontos perdidos de sua história: a relação difícil com o pai e o luto pela morte precoce da mãe. Descobrimos que é com a morte da mãe que ela inaugura essa maneira de lidar com a perda e a separação: pensar a cada dia um minuto menos.
Entendo que Lina não pôde elaborar essa perda totalmente, me parece que sua solução - porque era tão nova e não tinha ferramentas emocionais ou apoio para tanto - foi algo mais próximo da supressão, do não entrar em contato. E quantas vezes, por não querer sentir a dor ou por não conseguir tolerá-la, nos recusamos a pensar, a estar presente nos nossos processos?
A simples passagem do tempo, apesar dos ditados comuns, não cura todas as feridas. É preciso que dentro desse tempo aconteça um processo, no qual o sofrimento tenha espaço para ser sentido e superado. Suprimir funciona muitas vezes apenas como uma pá de cal sobre a dor, que sobrevive e aguarda, à espera de ser integrada ao psiquismo.
Lina vivencia vulnerabilidade, saudade, confusão, tristeza, consolo na presença dos amigos, solidão na presença dos mesmos amigos, todos os sentimentos complexos que nos atingem nos momentos mais desafiadores da vida. Mas corajosamente vivencia! Retorna e retorna e retorna ao passado (recorda, repete, elabora, integra) antes de poder seguir em frente.
Agora, adulta, despedindo-se de um amor, alguma coisa da criança ferida que Lina foi também pôde ser resgatada e talvez reparada. É uma série linda, que tem tudo a ver com a clínica, esse espaço onde testemunhamos experiências humanas profundas de perda e reconstrução, oferecendo apoio e espaço para rememorar, elaborar e integrar partes esquecidas ou indigestas de nós mesmos. Seguimos adiante, não apagando o que nos aconteceu, mas aprendendo a carregar isso de uma outra forma.